A senhora da 11
Sinto saudades do olhar sereno da Gabi, da arritmia sinusal da Inês e do cabelo do Chao. Fazem-me falta as gargalhadas. O serviço está muito mais calmo e já nem há jogos de futebol com a soca da enfermeira. Sinto saudades do meu doente, aquele que oiço desde pequena. Sinto saudades dele mesmo antes de ele ir embora, se é que vai embora, porque aos pouquinhos ele já foi. O sorriso já foi embora, já saiu da enfermaria triste e escura. A esperança ainda não, mas é uma questão de tempo, dizem. A única coisa que compensa é a senhora da onze, que me chama de filha, embora com os seus 90 anos já devesse ser minha avó. A senhora da onze é aquele tipo de senhoras que dá vontade de abraçar. Assim que me vê agarra-me a mão e começa a queixar-se de tudo mas a queixa principal, mais do que os vómitos e a falta de apetite, é sempre que o doutor ainda não lá foi. E nem adianta dizer que eu faço a vez do doutor que ela diz logo que eu sou uma criança. Muito menos lembrar-lhe que o doutor acabou de sair de lá porque ela diz logo que eu não entendo nada. Ela queixa-se sempre que ele nunca lá vai. Apesar de ele lá ir todos os dias, várias vezes por dia. Hoje entendi porquê. Assim que o vê, a senhora da onze assume posição de mimo: recosta-se e, qual gato persa, estica o pescocinho para receber festinhas e um abraço. Ela faz beicinho e ele chama-a de avózinha e diz que sim a tudo, inclusivamente que a causa do coração bater mais rápido é o antibiótico e não a fibrilhação auricular. Diz-lhe que ela tem razão. E dá-lhe atenção. Porque o que ela precisa é de atenção. E de amiodarona tambem ;) Foi assim, diz-me, que a "curou" nos três ultimos internamentos. Acima de tudo, o doutor ouve a senhora da onze. Coisa rara naquele serviço em que só se ouvem bisturis.
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