domingo, outubro 14, 2007

Escola da vida

O meu João...
... o João pequenino que eu vi nascer, comer sopa pela primeira vez, andar, falar, crescer, aprender a nadar, a fazer rabiscos e a andar de bicicleta sem rodinhas...
Esse João, o meu João, entrou para a escola e já diz o abecedário (completo!)...
... com arrotos!!! :)

quinta-feira, agosto 16, 2007

Troco...

Troco coração por neurónios.


Caracteristicas do coração:
- Quase em primeira mão
- ECG e ecocardigrama sem alterações relevantes
- Crono e ionotropismo suficiente para manter um par de siamesas
- Consome pouco
- Desvantagem : ser rebelde, com a mania de que só faz o que quer

Troco por um par de neurónios gordos e expeditos, para fazerem companhia aos subnutridos Tico e Teco. Não exijo caracteristicas especiais, basta que pensem.

quarta-feira, agosto 15, 2007

Dias assim...

E entretanto há aqueles dias em que se acorda com vontade de mandar o mundo inteiro "comer ovos de cão".... Que apetece partir o espelho, dar um pontapé na máquina do café, rasgar os livros, queimar as canetas e esperar que o telemóvel exploda.
Depois lembro-me do livro, recomendação da tia Belinha, e penso:
- Sorri, Shara, sorri. Controla os teus pensamentos. Pensa em coisas boas.
As únicas coisas boas que me consigo lembrar são as formas como gostava de ver algumas pessoas seleccionadas afogar-se... Mas isso não á coisa de miúda cristã.
(E tu és cristã desde quando, Shara?)
Então mudo o pensamento... Coisas boas, coisas boas... Hmmm não encontro... Mais um esforço... Coisas boas.... O quê? Pensar no Carmo dalla Vecchia não conta?? Oh assim não vale.
Desisto.
Nestes dias assim não adianta. Eu tentei. Mas, por mais esforços que faça, não consigo.
Mundo, vai "comer ovos de cão!".
Eu, eu vou pró banco. Os miúdos, por mais ranhosos, fanhosos e chorosos que estejam, sempre me fazem sorrir.

sábado, agosto 04, 2007

Serás justo?

Eu queria mais. Queria tudo.
Será justo pedir tudo? Mas, por outro lado, será justo querer tudo e fingir que não se quer nada? Será justo contentarmo-nos com muito pouco? Que é seguro, é. Quem espera pouco desilude-se pouco. Mas por outro lado, quem finge que não espera nada, não recebe nada. E se está a fingir, e quer, acaba por não ter nada quando, no fundo, quer tudo. E muito mais ainda.
No fundo o melhor é querer pouco, e só aquilo que os outros estão dispostos a dar. Mas, assim, não seremos apenas aquilo que os outros querem que sejamos e que tenhamos? E nós, onde ficamos?
Confusa, eu sei. Mas é assim que me sinto. Confundida, desencantada, enganada.
Porque, já dizia a Bad... Tudo o que podemos esperar de alguém que não está disposto a dar nada é isso mesmo. Nada.
E eu, nós os dois sabemos, não sou gaja de esperar nada.

domingo, julho 08, 2007

As oito maravilhas...

A oitava maravilha do mundo é o arraial do "meu" bairro. Sem dúvida.
Não há nada que chegue a um arraial onde não há manjericos, mas há um "copo de cerveja a 25 cêntimos com oferta de um copo de sangria". Mais a bela da sardinha. Onde há rifas nas quais "calha sempre alguma coisa". A mim não me calhou nada, surpreendentemente... "É sorte ao amor menina", disse a velhota...

Deve ser deve. Quase que preferia ganhar um daqueles (lindoooos) pratos de pendurar na parede do que ter ESTA sorte que tenho tido ao amor...

Arraial que se preze tem um cantor que diz "vocês são liiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiindos pessoalllllllll!!" enquanto puxa pelo povo que grita desaforido "ÉsseÉleBêêêêêê ÉsseÉleBêêêêêê ÉsseÉleBêêêêêê!!!!!!!!!!!!" Num arraial a sério no "meu" bairro há um mix de Tony Carreira com Ivete Sangalo. Só que dança-se tudo da mesma maneira. Inclusivé Kizomba, porque no "meu" arraial não faltou o clássico "Iolandaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa, és todo meu quererrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr"!
No arraial do "meu" bairro dança-se tarraxinha e KuDuro em versão pimba... Afinal é um bairro multi-cultural e há que agradar a gregos e troianos.
Dança homem com homem, mulher com mulher, mulher com homem, homem com Super Bock... Até o padre dança. Com as beatas. Que fazem fila e se empurram. Devaraginho, mas empurram, que eu bem as vi... Hoje deve ter ido tudo ressacado para a missa das 11.
O Comité de escolha das Maravilhas é que não viu isto senão... era vitória certa!

quarta-feira, julho 04, 2007

Gotan e a re-mistificação do acordeão

Felizmente existe Gotan Project.
Finalmente o acordeão foi re-mistificado.
Da próxima vez que me lembrar de um acordeão há-de vir-me á mente, (Insh Allah!), um som de acordeão embedido por uma voz quente de tango num jardim marquesiano, com 2 grandes novos amigos, numa noite de verão.
E não, felizmente, aquela visão do inferno que era o pequenito Saul, a dançar, espremido e desdentado, pendurado num acordeão a cantar o "Bacalhau quer alho" no Big Show Sic.
Felizmente.

sábado, junho 30, 2007

Momentos

... E quando dou por nós, estamos assim,

felizes, sentados ao sol,

a mastigar pastilha elástica com a boca aberta...

domingo, junho 24, 2007

Mais uma estrela

Há uns tempos atrás conheci um blog que falava sobre mulheres com cancro da mama. Tinha sido criado para acompanhar a Cláudia na luta que ela, como tantas mulheres, travavam.
O blog ensinou-me muita coisa no último ano. Ensinou-me, entre outras coisas, a ter medo e a continuar a ver sempre a doença do lado da pessoa que a tem. Ensinou-me, ao ver todo o apoio que as amigas da Claudia deram, que a amizade sobrevive às provas mais dificeis. Ensinou-me a rir dos momentos tristes e a fazer pouco (com um risinho nervoso de medo e a lingua de fora num desprezo infantil) "dos cancros". Do da Cláudia e dos de outras mulheres que entretanto iam aparecendo. Serviu para conhecer a Manuela, que se tornou uma querida amiga virtual.
Tenho andado ausente da net e só agora me apercebi. A Claúdia faleceu.
Não conheci a Claúdia mas sinto um aperto no peito e um nó na garganta. É mais uma estrela que brilha. E que brilha forte, ou não fosse uma estrela superglamorosa.
Beijinhuz.

Ponto de referência

A jogar Super Mario no game boy e a deseperar por não conseguir dar cabo do dragão, vencido, o meu pequeno Harry Potter diz:

- Oh Shara, passa-me lá de nivel...
Seis anos depois percebi finalmente que sou uma referência para ele.
Sou aquela que ele chama quando precisa de passar os níveis dificeis!!

segunda-feira, junho 18, 2007

Que boooooommmm!

E se, ás 4 da manhã, durante a sutura de duas feridas do couro cabeludo o doente disser continuamente:

- Ai que bom doutora... que boooooooooooooooooooooom! Sabe mesmo bem!

Não pensem, como eu queria pensar, que são os mestres da anestesia nem peritos em pontos que mais parecem festinhas...
Lamento desiludir mas não são vocês. É o álcool a falar.

Feia menina bonita...

Drenos, pensos, cicatrizes.
Vómitos, melenas, cheiros.
Há alturas assim, em que em vez de querer trabalhar num hospital me apetecia trabalhar numa revista de moda, para não ter de ver só pessoas velhinhas e doentes. A beleza não está na idade dizem. Nem na saúde. E não está, só que há dias em que não consigo ser altruista ao ponto de pensar diferente. É certo que eu aprendo mais com as velhinhas do que elas comigo e é certo que elas, nos seus 70, 80, 90 anos, conseguem ser mais bonitas que eu, aos 25. Por dentro, a grande maioria das pessoas que me rodeiam são milhares de vezes mais bonitas que eu e têm, de uma forma geral, muito para ensinar. Pessoas que não são só envólucro.
Na maior parte dos dias consigo ver isso. Mas, confesso, há dias em que não. E esses dias são os dias em que não chego a casa feliz.

quarta-feira, junho 13, 2007

Ser interna é...

Um ano de médica e cinco meses de trabalho depois, conclui que ser médica interna do ano comum num hospital central é:

1. Andar com uma dor nas costas que simplesmente não pássa porque nunca se consegue ter tempo suficiente para descontrair os músculos das goteiras vertebrais, os dorsais, os lombares e todos os outros que só se percebe que se tem mesmo quando doem (ter uma cama partida também não ajuda muito...)
2. Pedir vinhetas emprestadas
3. Acabar todas as frases com "sim, senhor" ou "sim senhora" e sentir-me um soldado... daqueles rasinhos
4. Sentir que a vida se parece cada vez menos com o Dr. House e cada vez mais mais com o Scrubs
5. Ouvir (até quando?) "a menina parece-se mesmo com a minha neta, não tem nada cara de médica"
6. Ter setecentos livros no bolso
7. Ter, para além dos setecentos livros, uma agendinha para apontar os bancos extra
8. Andar o mês todo á espera de dia 23 para ver se não se esqueceram de contabilizar os tais bancos extra
9. Perceber, dia 23, que se "esqueceram" mesmo
10. Passar tanto tempo no hospital que quase se sente saudades de casa
11. Chegar a casa, não ter ninguém á espera, ter o frigorifico vazio e a cama ainda desfeita... e querer voltar para o hospital
12. Dormir em cima do plano duro das reanimaçãoes (e é duro mesmo!), encostada a uma coluna de som de discoteca ou dormitar na mesa do jantar romântico
13. Cair na gandaia com as enfermeiras
14. Comer pudim feito pelas auxiliares ás 2 da manhã
15. Perder 20 minutos da hora de descanso a correr nos corredores do hospital cheia de medo ás 5 da manhã para chegar ao quartinho e perceber que está ocupado por alguém que ronca como se o mundo fosse acabar
16. Receber um presentinho e um beijinho de um doente
17. Plantar uma orquídea num vasinho para alegrar a sala dos médicos
18. Ter pena de obrigar a coitada da orquídea a ficar na dita sala
19. Ser sempre a última a escolher as férias
20. Ser sempre o número mecanográfico mais recente
21. Não ter tempo para postar nem para navegar nos blogs dos amigos, mas entrar na net só mesmo para "cuscá-los" de vez em quando

Ser interna é assim, andar anestesiada e feliz.

segunda-feira, maio 07, 2007

Quando aqueles que os médicos amam adoecem...

... os médicos não pensam nele como um doente. Não o vêm como o doente do nitrato em perfusão a 4 cc/hora, ou como o bólus de amiodarona. Não o vêm como uma folha de análises com troponinas e cê kápas aumentadas. Quando adoecem aqueles que nós amamos, nós vemos o hospital do lado de fora e as unidades de cuidados intensivos passam a provocar-nos frio na barriga. O desfibrilhador e o ventilador deixam de ser objectos de reanimação e passam a ser sinal de mau augurio. Quando adoecem os que amamos, olhamos para um monitor igual ao que vemos diariamente e simplesmente não entendemos o que vemos. Quando adoecem aqueles que amamos, choramos como qualquer outra pessoa que não entenda que as guidelines e protocolos estão a ser cumpridos e que só o tempo (ou Deus, ou aquilo em que se acredita) pode ajudar. Quando adoecem os que amamos temos ainda mais medo do que alguém que não saiba o que aconteceu, o que está a acontecer e o que acontecerá...
Quando adoecem aqueles que os médicos amam... é tão dificil ser médico.

sábado, abril 28, 2007

Hora do Lanche

A bruxa má a entupir o Harry Potter (de 5 anos) e a Princesa Fiona (de 3) de Panrico e Coca-Cola...
(E a achar que estava a fazer muito bem porque quando tinha a idade deles o sonho da bruxa má era que alguém a deixasse beber Coca-Cola e comer as porcarias que quisesse à vontade...)

O Harry Potter:
- Mas ó Shara, esta comida é saudável?
A bruxa má, sem saber onde se esconder:
- Errrrr... Mais ou menos... Porquê?
Harry Potter:
- Porque este pão não aparece na roda dos alimentos e a Coca-Cola tem corantes e conservantes...
Da próxima vez comem os dois uma maçã envenenada, que é para não fazerem tantas perguntas!

sexta-feira, abril 27, 2007

Agridoce

Quantas pessoas pode ser uma pessoa?

Pode ser-se uma ou várias. Pode ter-se numa pessoa só o mau feitio que te faz gostar de alguém desde o inicio. A honestidade que, de tão honesta, magoa e afasta. A necessidade de ser verdadeiros connosco mesmos que mantém distância. Os principios que fazem não persistir numa coisa ou ideia que se sabe errada apesar de saber bem.
E isso é o que se tem numa pessoa que só é assim porque ser igual a si mesma é a unica pessoa que consegue ser.

Nessa pessoa pode tentar-se mudar muita coisa, mas nunca a sua essência.
Podes querer que ela seja mais que uma pessoa. Podes tentar mudá-la, reconstrui-la. Querer que finja, que guarde, que reprima, que esconda. E se é isso que procuras é isso que vais ter.
Meia pessoa.

É o preço agridoce de manter alguém, não como a pessoa é, mas como se quer que ela seja. Vais ter o que queres, é verdade.

Mas, valerá a pena, assim?

sexta-feira, março 30, 2007

Não quero...

Se eu disser que não quero envelhecer... é pecado?
Não quero... Não quero dizer coisas sem nexo e ninguem achar graça a isso, não quero não saber onde estou e mesmo que alguém me explique, eu não entender... Não quero ser intoxicada de benzodiazepinas e neurolépticos só para ficar mais calma e não incomodar aqueles que acham que não envelhecem. Não quero ter rugas e pele flácida. E escaras. Não quero que me toquem com luvas. Não quero não me lembrar dos que amo e dos que me amam. Não quero que esses, quando eu for velha, me abandonem e se esqueçam. Não quero que passem por mim e me encontrem com vários acessos venosos periféricos, algaliada, com uma sonda nasogástrica e ventilada...
Se envelhecer é isso, então não quero envelhecer.

segunda-feira, março 26, 2007

Lucidez

Na maca do corredor, durante o exame neurológico ao senhor do AVC ...
- Como é que se chama?
- Manuel.
- Então e que dia é hoje?
- 22 de Agosto!
(Antes fosse, antes fosse... 22 de Agosto do ano passado...)
- E quantos anos tem?
- 2!
- Não, senhor Manuel, tem 70 anos... mas não faz mal.
Já numa tentativa final de tentar perceber se o senhor estaria orientado no espaço, pergunto-lhe se sabe onde estamos e quem eu sou.
- Estamos em ValVerde (seja lá onde isso for)... E você... Você é uma mulher espantosa!

Orientado o senhor podia até nem estar, mas lúcido e com bom gosto.... isso estava de certeza!

sexta-feira, março 16, 2007

Cheiro a verão

Não sei se é do cheiro a verão ou das minhas jeans novas... Só sei que os homens estão cada vez piores. E quem tem razão é a Bad. Onde é que estes gajos andam a aprender as abordagens que fazem ás miudas??? I mean...
Toda a gente sabe que por esta altura sobe exponencialmente a quantidade de "tschhhhh", "ehhhhh", "pffffffffff", "brmmmmmm", "booooeeeeing" que se ouve por aí ... é normal, já quase aceitamos isso com naturalidade.
Mas há cada um... Será que ser giro e ter um descapotável invalida logo a necessidade de ter também algumas técnicas de abordagem razoáveis?
Perguntar onde é o Marquês de Pombal resulta sempre... Toda a gente sabe onde é por isso sente-se obrigada a explicar. Essa foi de mestre, reconheço. Perguntar o meu nome já não foi muito a propósito. Até porque por esta altura já estava meia Lisboa a buzinar atrás dele e eu já não conseguia entender quase nada. E perguntar se eu quero boleia até podia ser simpático... se eu não estivesse há 5 minutos a tentar por moedas num parquimetro, enquanto ele não se calava! Se eu quisesse ir a mais algum lado, porque é que teria estacionado o carro e estaria a por moedas no parquimetro??
Se calhar é do sol, queima-lhes os neurónios.

terça-feira, março 13, 2007

Sala de tratamentos

A mãe estava doente. A bebé não. Por isso não podia ficar na pediatria. A mãe, com uma enorme dificuldade respiratória e a sua hemoglobina de 5.9 não podia deixar de ser atendida e não, não tinha ninguém com quem deixar a menina. Foi assim que acabámos com uma bebé de ano e meio dentro da sala de tratamentos de adultos. Foi assim que a sala de tratamentos de adultos cansados e doentes se transformou num enorme playground. A velhinha da maca, com máscara de oxigénio na cara, oximetro no indicador esquerdo e braçadeira para medir a pressão no braço direito que ao chegar não nos respondia arranjou maneira de brincar ao “cu-cuuuuuuuuuuuuu” com a pequenina que se ria ás gargalhadas cada vez que o asmático provocava ainda mais pieira do que aquela que já tinha.
Ao contrário das doze horas non-stop de barulho e agitação, nesta sala do serviço de urgência descansou tudo, quando a menina adormeceu ao colo da mãe com uma ampolinha de soro na mão embalada pela música do Noddy cantada pela auxiliar da sala de Raio X e o ti-ti-ti do monitor cardíaco da doente taquicárdica como som de fundo.

É nestas alturas que percebo que apesar do cansaço, da falta de sono e da enorme responsabilidade que me sufoca a cada minuto, faço a única coisa que me poderia fazer feliz…

sexta-feira, março 09, 2007

(Des)Limita-me

No meio dos medos, porque também os temos, encontramo-nos assim, nús e rendidos. Rendidos ao medo de errar, de novamente não ser capaz, ao medo de fugir, ao medo de ficar, ao medo de não conseguir sempre, mesmo que investindo e querendo. Da frustração de assumir limitações que só agora reconhecemos. Que somos limitados, sim. E no meio da insegurança e da dor que causa assumir as minhas próprias fraquezas discutimos em algum café as dores que, nas batas e carapaças que vestimos diariamente, nos assombram. Eis que tu me entendes e eu te entendo e nos entendemos, ainda que tão diferentes e os dois tão limitados. Protegidos do sol frio. Que ainda é sol embora seja frio e não o vejamos, que é sol porque o sentimos. Tal como a esperança, a força, a humildade e a fé. E se te digo que fatal é o meu segundo nome, reforço que instinto é o primeiro, porque no meio do fatalismo que é assumir que não sou melhor que isto, o instinto diz-me que não é mau de todo ser assim. E, sob o olhar atento da Maria e das suas mil perguntas, entendo que é o amor (nos seus vários rostos) que tantas pessoas têm por mim (que me sei limitada) que me mostra que a vida nunca será a aridez de "quero, e se não tenho, frustro", própria de quem é vazio e oco para estar tão cheio de si próprio que não se dispõe a assumir-se, humildecer-se e deslimitar-se.

quarta-feira, fevereiro 28, 2007

Casablanca Produções

Ainda na onda do escândalo "Casablanca" relacionado com o festival de hip hop afro-luso-americano que era pra ser mas não foi (por duas vezes) e cujo patrocinador "ficarão a conhecer no dia do espectáculo" clickei aqui...
Que em Angola já nos tenham habituado aos sucessivos adiamentos (e à não realização) de concertos e a publicidade enganosa, é mau, mas ainda se vai tolerando... "ah e tal, as coisas não funcionam... o 5o cent não veio porque ficou preso na DEFA e tal"... mas vir fazer isso no país do outro, é obra!!
P. S.: Ah, e alguém avisa este pessoal das Produções Casablanca que já não se diz "paises do 3º mundo"?... agora é paises em vias de desenvolvimento, senhores! (ou não, se depender de empresários como estes...)

terça-feira, fevereiro 20, 2007

Floribella

Ele a olhar para o meu cabelo...

- Podias mascarar-te de Floribella...
- Não, não... aprender a coreografia para ensinar à mana, tudo bem... Mas mascarar não...

(Deus me livre... - eu a pensar - E se ele insiste muito e se faz aqueles olhinhos?... eu ainda aceito... desiste bebé, desiste, vá lá...) ...
- Não vês que a Shara já tá mascarada?
- De quê?
- De Shara bonita...
- Não parece nada...

Tá cada dia mais dificil de enganar, este miúdo...

segunda-feira, fevereiro 19, 2007

Há dias assim

Há dias em que, de nó na garganta apertado, apetece chorar. Sem um motivo especial. Chorar só. Por tudo e por nada. Chorar. Muito. Muito alto. Cair no chão de chorar, sem pressa para levantar de novo. Chorar de raiva, de saudade, de paz. Chorar de ti. Chorar por mim, por outros. Por aqueles que não conheço. Chorar pela minha impotência. Chorar até as lágrimas lavarem todas as feridas, todas as marcas deixadas dentro de mim pela gente e as deixadas dentro da gente por mim. Chorar a tensão e a atenção. A morte, a vida. Chorar por já não chorar. Chorar por ser e não ser perfeita, e por não querer ser. Nem perfeita nem imperfeita. Chorar o sofrimento e a alegria. Chorar o medo. Chorar a dor. A tua e a minha. Chorar até as lagrimas me sussurarem palavras de esperança. De fé. Chorar até gritar. Até sorrir. Até me abraçar forte e, com festinhas em mim mesma, consolar-me como mais ninguém consegue.

domingo, fevereiro 18, 2007

UnBorn

É possivel sonhar-se com os filhos que ainda não se teve (e não se planeia ter nos próximos tempos)?...
Incrivel como dou por mim a sorrir para qualquer criancinha que se atravesse no meu caminho, por mais ranhosa que esteja (e ultimamente tenho visto muitas criancinhas ranhosas)... como me apanho a sonhar com uma menina de olhos grandes e cabelo aos caracóis... ou com um menino mau como as cobras, daqueles que anda sempre com os joelhos esfolados...
Deve ser culpa da conversa do "relógio biológico" de sexta feira...
Pelo sim, pelo não... acho que vou arranjar um cão!

Duvidas Existenciais III

Porque é que toda a gente tem cara para usar franja à Cleopatra...
... menos eu?

sábado, fevereiro 17, 2007

Lil' Stá...

... So proud to look like a star to you ...

domingo, fevereiro 11, 2007

Primeiro voto

Hoje vou votar. Pela primeira vez. Nunca votei. Nem para legislativas nem para presidenciais. Nem sequer para a lista X ou J da associação de estudantes. Considero a politica uma palhaçada e nunca me dei ao trabalho de tentar entendê-la. Só votei algumas vezes em mim quando se queria escolher o delegado de turma ou a miúda mais gira da sala, mas votos em mim mesma não contam...
Hoje vou votar. Porque está em jogo o futuro das mulheres e crianças deste pedacinho de terra em que vivo. E seria injusto andar em lutas herculeas para mudar o mundo e não varrer primeiro o meu quintal.
Depois de muito ponderar, tirei a minha conclusão. Não foi uma decisão fácil. Não sou só a Shara humanista que considera injusto uma pessoa ter capacidade de decidir sobre o direito á vida de outra. Sou também a Shara mulher, que acha ridiculo prender-se uma mulher que fez um aborto, que sabe que as mulheres pobres fazem abortos cá e são penalizadas e as ricas fazem-nos fora e passam impunes ao mesmo crime. E o mau não é as pessoas com capacidade económica sairem impunes, é as que não a têm, serem criminalizadas. A Shara tendencialmente femininista que considera ainda mais ridiculo só se criminalizar e humilhar a mulher, como se fossemos todas leveduras e os nossos filhos fossem produto de geração espontânea. A Shara médica, que já se cruzou com casos dramáticos de abandono e maus tratos a recém nascidos e a crianças não desejadas mas que também já viu algumas dessas crianças indesejadas (muito poucas) serem entregues a familias que as querem muito, que já viu morrer mulheres depois de abortos mal feitos, mas que também já viu mulheres a utilizarem o aborto como método anticoncepcional. Sou a Shara que sempre sonhou ser pediatra, cujo sonho sempre foi contribuir para a saúde das crianças, não para a sua morte.
Foi uma decisão dificil mas acho que alguma coisa tem de mudar, por isso hoje vou votar.

Muita força e dói.

Eram três. Só um falava português.
- Como é que se chama?
- Singh.
- Ah, ok... e o outro senhor?
- Singh.
- Hmmm... Tá. E o outro senhor?
- Singh.
- Então e o que é que se passa para vir aqui?
- Dor. - vai dizendo enquanto aponta para as costelas do lado esquerdo - Muita força e dói.
Analgésico e relaxante muscular passado, e o "não convém beber" da praxe... passo para o segundo Singh.
Virada para o primeiro Singh, pergunto acerca do segundo:
- E o outro senhor, do que se queixa?
- Dor. - vai dizendo enquanto aponta exactamente para o mesmo sitio no outro senhor - Muita força e dói.
Novo analgésico e relaxante muscular. E reforço o "não convém beber", porque o cheiro a àlcool já denunciava que, à falta de comida, o bagaço (só dois copos, tem de ser, para aquecer e esquecer, dra) ia continuar a ser a refeição principal.
- E o outro senhor Singh, também é dor, não é?
- Não. Tosse.
E eu a crucuficar-me por ter tirado uma conclusão antes de saber as queixas do doente. Juro que ele ainda não tinha tossido uma única vez e estava mesmo com cara de quem tinha dores nas costelas.
Depois de auscultar, enquanto eu dizia que ele teria de ir ao centro de saúde ou ás urgências para tirar uma radigrafia, porque aquela auscultação estava feiosa, o primeiro Singh, reformulou:
- E dor. Muita força e dói.
Não acredito que tenha sido só para me fazer feliz. Acho que confrontado com visão de uma ida ao centro de saúde ou ás urgências que nunca se realizaria porque não há papeis para isso, os Singhs tiveram de optar pelo alivio do paracetamol.

Depois...

Depois de andar uma semana em stress porque me piquei numa agulha virada para cima na enfermaria...

(Sim, eu sei que pode acontecer a todos, que a minha profissão me obriga a assumir esses riscos e a lidar com eles, que a hipótese de me tornar HIV positiva é menor que 0,03%, mas isso não me deixou mais descansada. Só aquele bocadinho de papel, com menos para tudo o que era anticorpo e antigénio dos quatro eventuais donos do sangue, me fez acalmar.)

... E de pneumonias que não curam com antibióticos, dores que não passam com analgésicos, tumores que recidivam com quimioterapia, equilibrios hidro-electrolitricos completamente desiquilibrados...

... De doentes que "o querem" e de outros que não querem mas têm de o ser...

... Depois de relações amor-ódio que me levam ao limite...
... De ter a confirmação oficial da minha nota de exame...
...De mais uma semana de luta herculea e de "relaxa... achas mesmo que vais mudar o mundo?".

Depois disto, o domingo na minha barraca "nova", parece-me uma graça dos céus.

quarta-feira, janeiro 31, 2007

Friday Night Fever

"- Hoje não dá, amanha também não... E há alguma coisa que eu possa fazer para te conseguir ver na sexta feira á noite?

- Não... Errr, por acaso até há... Podes tentar ter um enfarte de miocárdio, um tromboembolismo pulmonar, uma hemorragia daquelas que te deixa com uma hemoglobina de 5... Olha, porque é que não tens um episódio de asma aguda na sexta? ... Mas faz com que seja uma coisa séria e grave, para teres "direito" a ires para o SO... Se ficares só pelos gabinetes de consulta és capaz de não me encontrar, tá?

- ´Tá. Beijos. "

... Será por causa destas respostas que tenho cada vez menos amigas? ...

terça-feira, janeiro 30, 2007

Cara de Anjo

Agarrou na minha mão e perguntou-me:
"Dra, a minha mãe vai morrer hoje?"
Engoli em seco e respondi que achava (e esperava sinceramente) que não. Que era só uma pneumonia, que a senhora estava a responder relativamente bem ao antibiótico...
Mas pareceu-me que estava toda a gente convencida que sim.
Até a doente, que hoje, quando a acordei para avaliar, olhou para mim e começou a rezar. De olhos muito abertos, a olhar para mim como se tivesse morrido, chegado ao céu e eu fosse um anjo. É certo que eram oito e meia da manhã e a essas horas se calhar até eu pareço um anjo. Mas deve ser só entre as oito e meia e as oito e trinta e um da manhã.
Apesar de andar de branco, faltam-me as asas, a auréola... E cara de anjo. Duvido que hajam anjos com olheiras e uma borbulha no queixo.

quinta-feira, janeiro 25, 2007

Novo ano, novo hospital, nova vida...

A Shara que estava sentada no anfiteatro naquela 2ª feira de "Recepção ao Interno" era exactamente a mesma pequena Shara que, há 18 anos estava sentada na 1ª fila da sala da professora Madalena. Com algumas vantagens: agora já tenho os dois dentes da frente e na foto do cartão do hospital já não precisei de ficar com aquelas golas enormes e bordadas que a minha avó me obrigava a pôr sempre que o fotógrafo tinha a triste ideia de ir tirar fotos á escola.
Não entrei no anfiteatro pela mão da minha mãe e, desta vez, não tinha os cadernos e as canetas devidamente arrumados e com as páginas numeradas, para não as arrancar. Na segunda feira tinha a bata branquissima e o estetoscópio.
A ansiedade, o receio e a alegria, esses, acredito que fossem os mesmos. Agora mais racionalizados, talvez. A ideia da responsabilidade, antes interiorizada e agora já jurada, assusta. Assusta assinar um diário clinico com dúvidas (será que auscultei bem? será que deixei passar alguma coisa?) e por isso vou quatro ou cinco vezes ao quarto de cada doente, para garantir que não me esqueci de nada. Dizem que esse receio é bom, ajuda a não falhar. Os meus doentes devem achar-me uma chata. Quando acham que já se livraram de mim, apareço do nada. Eu prefiro. Para além de as possibilidades de cometer um erro grave serem menores, fazer 500 vezes os corredores da enfermaria também é um método infalivel para não engordar ;)
Uma semana depois sinto que estou no sitio certo, com as pessoas certas. Fiz a escolha certa e talvez este seja o sitio onde posso ir á janela e gritar, como na publicidade,
"Aqui vou ser feliiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiizzzzzzzzzzzzz!"

sexta-feira, janeiro 12, 2007

Coisas da banda

Ouvir um angolano a chamar-me de "moça", um cabo-verdeano de "kretcheu", um brazuca de "gostosa" ou um americano a assobiar e a dizer "hellooooo beauty", eu ainda concebo.
Agora... um chinês a chamar-me de "fofa"???
Só mesmo em Angola...

domingo, janeiro 07, 2007

A maka do marfim

Na banquinha de artesanato do zairense, entre pulseiras de conchas, fios de missangas e máscaras de pau-preto, tinha um montão de peças de marfim.

- Ainda não pararam de matar os elefantes? Já não desistem, né?
- Ahhh, toda horra tão falarr nos elefante. Galinha lhe matam também, ninguém tá falarrr.
- Oh não é a mesma coisa...
- Porrquê então? Só porrque tem bué? Galinha também é bicho, mana. E tão lhe matarrr feio.

Pronto... perdi os argumentos no meio do riso...

De que adiantava mencionar o facto de os elefantes estarem em vias de extinção e, as galinhas (tanto quanto se saiba), não? Que um elefante-femea vive em média 50 anos e uma galinha cerca de 80 semanas? Que uma galinha choca tantos ovos quantos couberem debaixo do seu corpo, que não têm que ser necessariamente seus e que cria todas as crias que nascerem? Que uma "elefanta", em contrapartida, tem um periodo de gestação de 22 meses e normalmente pare uma única cria de 5 em 5 anos?

Para as pessoas que vivem da caça ao elefante,
elefante é mesmo tão bicho quanto galinha.

quinta-feira, janeiro 04, 2007

E deixarem-nos trabalhar, não?

Antes de mais,

BOM ANO PARA TODOS!!!


Pois, voltei. Já sentia falta de refilar contra o pc. É que, pessoalmente, já ninguém atura os meus refilanços. Já tinha saudades de passar nos blogs de alguns amigos e viver o dia a dia deles.

O pai Natal, esse palhaço, errou (novamente!) a minha morada.

Quem nos deu a nós, médicos internos, uma bela prenda, foi o Sr. Secretário Geral e o Ministro da Saúde. Queridissimos como são, ofereceram-nos um mês inteirinho de desemprego. Uns amores. É por isso que admiro politicos, não fazem nada de jeito e safam-se sempre.

O que eles dizem que aconteceu aconteceu foi que um erro informático fez com que as listas de colocação nos hospitais fossem anuladas por duas vezes e finalmente, todo o concurso fosse suspenso.

Muito bom.

O que se diz é que afinal tem tudo a ver com o fecho de contas do Ministério da Saúde e a "coincidência" de não nos pagarem salários até resolver o erro informático até dá um certo jeito. Mas isto são só más linguas, claro. Nem o nosso querido ministro da saúde nos faria uma coisa destas... Logo o nosso ministro, para quem tudo isto é um "fenómeno natural"...

Assim, em vez de começarmos a dia 2 deste mês, devido a um fenómeno natural, começaremos no dia ... 29?... hmmm ... não sabemos bem e o melhor é esperar para ver, porque torna-se dificil acreditar naquilo que a Secretaria Geral e o Ministério da Saude dizem (ou despacham!)...

Incompetência, salários e datas à parte, realmente grave é o facto de estarem 833 médicos que têm vontade de trabalhar, no desemprego, já que não nos foi atribuido um local de trabalho. 833 médicos esses que ajudam a assegurar o funcionamento dos serviços em que se inserem. E isto tudo ocorre num país que se queixa diariamente de falta de médicos, das listas de espera para tudo o que diga respeito a saúde, da sobrelotação e tempos de espera nas urgências hospitalares...

Já nem tento entender.


P.S.: Já agora se andarem tristonhos e se se quiserem rir podem acompanhar esta palhaçada naturalmente fenomenal em www.dmrs.min-saude.pt, em www.medicointerno.com ou num jornal perto de vocês.