segunda-feira, julho 31, 2006

Soube bem...

Hoje voltei ao hospital.

Foi estranho entrar sem bata (sim, porque antes andava lá a arrastar a bata cheia de bugigangas nos bolsos e o estetoscópio por todos os cantos, com aquele cheirinho de Cutasept e álcool nas mãos ásperas). E médica. E bronzeada!!! Mas soube bem.

Confesso que senti uma ligeira saudade das enfermarias mas sucumbi á tentação e fiquei-me só pela biblioteca a estudar. Ainda encontrei um doente antigo que mal me conheceu, vestida á civil que estava, mas que está a melhorar sim senhora doutora (mas ó senhor Costa, trate-me por Shara), e já nem tem dores não senhora doutora (trAte-me por Shara, senhor Costa), e que a cicatriz tá muito direitinha senhora doutora (Ohhh senhor Costa, por Shara... acho que este senhora doutora é algo que nunca me vou conseguir habituar). E vai de desapertar a camisa para que eu a veja, ali mesmo no meio da subida :)
Os meus doentes são assim, muito á frente.
Soube bem, deu para matar algumas das saudades que já tinha por estar uma semana longe (será que sou workaholic?) e para levantar os limpa pára brisas do carro do Pedro (e culpar o Yago, claro!)...

domingo, julho 30, 2006

E nem sequer é dos Dz'art!

Ontem encontrei os meus primos tatuados. Tinham pelo menos três tatuagens cada um, dos Dz'art, daquelas que saem no bolicao ou no chipicao (ou numa outra coisa qualquer acabada em cao que só lhes faz mal aos dentes).
Achei o máximo...
E quis logo incluir-me no grupinho deles.
Virei-me, e ao mesmo tempo que levantava a tshirt para lhes mostrar a minha, disse:
- Tão a ver, a Shara também tem uma tatuagem.
Os meus piolhos olharam os dois para mim com um ar que disfarçava (mal) algum desprezo e o João disse:
- Oh mas só tens uma! E nem sequer é dos Dz'art!
Pronto, fui excluida do grupo deles.
Senti, naquele momento, surgir o Generation Gap.
Qualquer dia estão a chamar-me de kota, a não querer que os amigos deles me vejam a dar-lhes beijos na rua...
Ai que medo do dia em que a Maria descobrir que a coreografia da Floribella que lhe ensinei é completamente aldrabada!!! Vou ser ostracizada por completo.
Os meus meninos crescem, bocadinho a bocadinho, todos os dias. Já refilam, cospem-se, mentem e o João até já arrota (mais vezes do que queriamos e em sitios que não convém muito) LoL
Enfim, os meus piolhos estão a tornar-se rebeldes.

quinta-feira, julho 27, 2006

Não entendo.


Confesso que ainda não entendi. E esforcei-me. A sério, ao contrário do alheameanto em relação ao mundo real que me caracteriza, ultimamente tenho tentado acompanhar as noticias para saber o que motiva uma guerra. Mas não entendo. Ou sou muito burra ou simplesmente não alcanço.
Sempre fui péssima no que diz respeito a politiquices, considero a politica uma hipocrisia em que imperam os jogos monetários e a busca do poder. No entanto reconheço que não se vive sem ela. Sempre fui má a geografia e a história e até hoje continuo sem entender qual é a verdadeira maka de Israel/Libano/Palestina/Faixa de Gaza/Irão/Iraque.
Sempre que tentei perceber as guerras prendi-me nas estórias das pessoas. Como hoje, que me prendi na história do condutor da ambulância da Cruz vermelha que foi atingida por um míssil israelita em Tiro no Líbano. E que voltou a conduzi-la assim que saiu do hospital. Mas fica a sensação de vulnerabilidade, e se já nem o apoio aos feridos é previligiado, que será deles? O Hezbollah, só hoje, lançou cerca de meia centena de rockets sobre várias cidades no Norte de Israel. E depois morrem israelitas, libaneses, palestinianos, ONUses. Não interessa quem tem culpa, morre toda a gente.
De que serve a guerra então? Se os maus não são castigados e os bons não ganham, para que serve esta guerra? Quem são os maus? Quem são os bons? Numa guerra há bons e maus?
Primeiro a guerra, depois o pós guerra imediato e depois o esforço de reconstrução, são passos que fazem parte da história do país mas que são vividos na pele do povo que sofre, que tem medo, que passa fome, que perde gente querida. Quem sofre são as crianças que nascem e crescem na guerra, no ódio e no medo. Que herdam um país e um continente debastado por lutas intermináveis e que vão ser responsáveis por perpetuar a guerra. Porque o que conhecem é guerra.
Já lá vão 16 dias de guerra. Em nome de quê? De terra? De um Deus? De dinheiro? De poder? Continuo sem entender. E acho que desisto de tentar.
P.S.: E no meio da guerra ainda há quem se case em bunkers... a esses gabo a coragem ;) - Lá 'tou eu a perder-me nas estórias das pessoas...

Férias d'Alma


É por estas e por outras que não posso sair da barraca. Onde vou, quero ficar. Este meu “vira-casaquismo” assusta-me LoL

É certo que Lisboa é uma cidade bonita mas ultimamente tem-se tornado, talvez só para mim, muito confusa, muito longe, muito barulhenta.
Então eu e a mommy agarrámos nas nossas bikuatas e fomos para Valencia. Com B. Balencia :)

Talvez tenha tudo a ver com o facto de terem sido só uns dias mas não vi ninguém a gritar com as criancinhas quando choram, não ouvi buzinadelas, sempre me deixaram passar na passadeira (e não tem necessariamente a ver com o facto de eu e a mommy sermos mulheres de parar o trânsito LoL), ouvi sempre um “holla” e um “hasta luego” das pessoas a quem perguntei ou pedi algo. Sim, salvo da señora surda-muda a quem pedi indicações sobre como chegar à praia. Só eu. O certo é que a boa vontade deve dizer mais que muitas palavras porque cheguei lá direitinho.

Eu na praia. Ohhh Dios mio!! Se calhar sou eu que saio pouco de casa mas nunca tinha visto tanta gente com tatuagens. Ainda bem que também tenho uma senão ainda me ia sentir desadequada LoL Assumi a minha nova identidade de peixinho e ia alternando a versão Nemo com a versão Lagarto. Ler. Aiiiiiiiiiiiiiii que bom. Ler. Passei horas esparramada na areia a ler. “Ya no sufro por amor”. De Lúcia Etxebarria, essa diva cheia de atitude. Eu ainda sofro, mas já entendo melhor porquê.

Tirei férias. Para a alma. Nada melhor para a alma do que um pôr-do-sol no L’hemisferic com chill out de fundo. Ou um choro flamenco. Ou umas tapas LoL

De volta a Lx carregadas de panelas e fashionzissimas com um saco do Carrefour a fazer de saco de mão, reparei que está tudo na mesma e pelos vistos ninguém sentiu a minha falta LoL.

Resultado: rendi-me a Valencia. A minha plaza preferida é a de la Virgen, o meu barzinho de eleição é o Eclectic no Palau de l’arts. O meu próximo cão vai chamar-se Chucho e a minha filha Arantxa... Pronto, e eu só não mudei o meu nome para Sarita Montiel porque não calhou :P

quinta-feira, julho 20, 2006

Ou me matam ou queeeeeeeeeeeeeeee!!!

Corro o risco de me tornar repetitiva, eu sei... Mas tou a menos de 24 horas de acabar o curso!!!
Amanhã é o dia da plaquinha, o dia em que eu saio de taxi com as minhas outras doidas e ponho uma plaquinha ao peito com a minha morada. É o dia de cumprir todas as promessas. Sim, sim vou beber, amanhã prometo. A minha primeira bebedeira. Se acabar mal, alguém que me ponha num taxi de volta e dê a morada ao taxista.
Sinceramente continuo a achar que não preciso de beber. Se for para ficar feliz, muito menos. A alegria que sinto chega para iluminar Paris. Amanhã sou toda alegria, toda jarakuzas, kazukutas, "sáketas" etc. Amanhã ninguém me consegue tirar o sorriso da cara. Aliás, hoje já ninguém conseguiu. Ando feita a própria parva, sempre a rir, de bem com tudo e com todos.
Sinto que fui abençoada. A sério. Too blessed. Tive a sorte de ter tido todas as oportunidades que precisei e de ter tido sempre apoio. É verdade que também agarrei todas as oportunidades, esforcei-me, abdiquei de algumas coisas, mas não fiz mais do que o que devia. Há pessoas que sonham com o que eu tenho. Eu tenho o que sempre sonhei, e isso é ser abençoada.
É por isso que hoje, no meu último dia da "era pré-Ph, Md", quero agradecer-vos. A todos que estiveram e continuam a estar comigo, de uma forma mais ou menos presente. Aos que apostaram em mim. Sem voces nunca teria chegado aqui. A todos os que me deram força, que foram e são meus amigos, meus companheiros. Aos que me secaram as lágrimas, que ouviram os meus desabafos, que choraram e riram comigo. A todos os que desiludi, mas que não desistiram de mim. Aos que me desiludiram para me tornarem melhor. Aos que não estão cá, mas que estão sempre no coração.
OBRIGADO.

quarta-feira, julho 19, 2006

Faz lá isso...

"Oh Shara, por favor, faz lá isso, se eu achasse que não eras capaz nem me passava pela cabeça pedir-te."
São palavras básicas, mas a mim soube-me a elogio. Depois de oito semanas de trabalho árduo sem o minimo de reconhecimento, sabe bem ouvir dizer que não nos consideram uns completos anormais. Ainda mais vindo de quem veio. A verdade é que agarrei-me logo á perna da senhora, com unhas, dentes e luvas esterilizadas, apesar de serem 4 da tarde, estar a trabalhar seguidinho desde as 9, estar em hipoglicémia e hipocafeinémia e montes de outras hipocenas. É essa a importância de um bom ambiente de trabalho para mim, as coisas valem realmente a pena. Quem ganha somos nós, que recebemos um sorriso enorme da dona Rosa que me deixa fazer tudo, mesmo que lhe cause dor. Somos nós que ganhamos quando vimos para casa a entender porque é que nos entregámos de corpo e alma a esta profissão.
Sabe bem uma amiga/colega no meio de um chicken tikka masalla com cheese naan no submundo dos restauradores, com passagem por um peep show e direito a coreografia completa do "ymca", com brindes a nós mesmas e aos outros também e com conversas de receios e de esperanças, de "faltam dois dias para acabar o curso" e de planos para 2 meses no Brasil. Adoro a Rita.

terça-feira, julho 18, 2006

Quando o fim se aproxima...

Quando o fim se aproxima toda a gente se entrega. Li isto num post do Chao Min. É verdade, agora que o fim se aproxima sinto-me a dar cada vez mais de mim. Tem sido sempre assim. Primeiro perco as coisas, as pessoas, os momentos... depois entrego-me. Sempre com o timing errado, ou não fosse eu... Também tem a ver com o meu signo. Os taurinos tem dificuldade em desapegar-se. Eu levo tudo ao extremo. Eu tenho serious issues in letting go. De tudo. Pronto, confesso, sou possessiva. E pronto, admito, sou ciumenta. E talvez um bocadinho mimada.
Mas é duro deixar-te ir. Deixar-me ir. Há opções que tem de ser feitas e tu sabes que eu sempre fui uma miúda dura. Sei que vou chorar baixinho cada dia da tua ausência, que vou ter saudades de cada beijo, de cada abraço. Vou agarrar perto de mim cada foto tua, nossa. Tu sabes que há muitas coisas que vão deixar de fazer sentido sem ti.
Mas diz no meu signo: "os seus objectivos são combater o pessimismo, a inércia, o conservadorismo e a possessividade".
E eu tenho de deixar-te ir, seguir a tua vida, encontrar o teu caminho. Não posso abdicar do meu caminho, tu estiveste ao meu lado e sabes que eu sempre quis chegar aqui. E ir mais além. Pode ser que um dia nos encontremos. Ai, provavelmente, vou discutir contigo por me deixares levar esta ideia louca avante. Vou bater-te com a minha bengala, morder-te com a minha dentadura postiça e vou mandar os meus netos fazer-te uma espera quando tiveres a sair do lar de idosos.
Se me arrependo? Sempre. Todos os dias. Mas gosto demasiado de ti, o suficiente para não te deixar desistir do que tu mereces.

domingo, julho 09, 2006

Valeu!

O Mundial acabou.

Não gosto particularmente de futebol mas este Mundial valeu a pena.
Valeu a pena o 1º jogo de Angola e ver que, apesar de termos perdido, afastámos as mesas do centro e acabámos em grandes kizombadas. Que saudades dos velhos tempos.
Valeu a pena o orgulho de ser angolana. E portuguesa também. Valeu a pena cantar dois hinos, com a mesma mão no mesmo peito.
Valeu a pena ver os meus pekeninos João e Maria a comemorar com bandeiras na rotunda (sim, porque no Miratejo comemoração que é comemoração é feita na rotunda).
Valeu a pena estar na "Canção de Lisboa" com as minhas avós, avô e a vizinha do lado e a peça parar porque Portugal ganhou. Mas nesse dia o que valeu mesmo a pena foi ver as avós a vibrar e a dizerem "apita shara, apitaaaaaaa!!!!!!"...
Valeu a pena ter comprado uma bandeirita para pôr na janela do carro (por insistência da minha avó, depois do penúltimo jogo de Portugal) e passadas duas horas já não a ter. O pauzito continua lá na janela do carro. E até que eu me lembre de o tirar... há-de continuar, quem sabe até ao próximo mundial LoL
Valeu a pena receber uma chamada do meu pai e ouvir o Gui a dizer "Mana, já puxeste a bandeila da janela?".
Valeu a pena ver o sr. João com o saco da ileostomia dum lado e o cachecol de Portugal no outro.
Valeu a pena receber mensagens do Carlos Miguel, só a dizer "já me viste que palhaçada de jogo?" ou "3 secos no final!! tipico jogo italiano" ou cenas do género. Só para ter a certeza que pra ele sou o tipico amigo da bola LoL
Valeu a pena ver o jogo do Brasil com o Marcinho, a mommy e umas Bohemias.
Valeram a pena os meetings (e juro que só fui á tal loja uma vez e nem foi pra comprar nada para mim).
Não gosto particularmente de futebol. As jogadas, os golos, os penalties e a maioria dos resultados passaram-me ao lado. Mas o resto... valeu a pena!
Já dizia o poeta... tudo vale a pena quando a alma não é pequena.

segunda-feira, julho 03, 2006

O silêncio

Há uma linha muito ténue entre o dar tudo e o não dar nada. Há uns dias que me corrói uma ideia: até onde ir? O meu doente está a morrer. Dói-me cada célula quando digo isto. Digo isto muitas vezes por dia, baixinho. Como que a convencer-me da frieza da situação. Como que a mostrar a mim própria que a morte é tão natural como a vida. Mas não, a morte e o facto de não haver muito para fazer contra isso é algo que me que me afecta... um aperto que carrego mesmo quando já não estou no hospital.
Somos aquilo que a vida nos torna, aquilo que herdamos e a experiência que vivemos. Talvez se nunca tivesse perdido um familiar querido antes do tempo previsto, isto não me fizesse confusão. Não sei. Mas faz. Perdi a noção de até onde ir. Se por um lado sei que quando me envolvo com um doente me torno uma cuidadora melhor, sei que por outro não me devo envolver.
É a luta constante da empatia, da vocação e do sentimento contra a ética profissional, a frieza e o medo. Eu sabia que ia ser assim, e não é o primeiro doente que vai embora. Mas são perdas constantes. Se me envolvo, vivo em perda. Se não me envolvo, nunca ganho nada.
Ultimamente tenho-me lembrado das conversas com o meu colega Paulo que teve umas semanas numa unidade de cuidados paliativos. Já não sei se foi ele que me disse ou eu que o adaptei, mas ele dizia-me alguma coisa acerca do silêncio. O silêncio dos que sabem que vão. O silêncio que eles precisam. Esse silêncio que me dói. Tanto. Nem imagino como lhe doerá a ele. A mistura de revolta, de medo, de frustração, de desesperança. Um cocktail silencioso. O meu doente responde-me com palavras forçadas. Ou com silêncios.
Curiosamente é no silêncio que o entendo melhor. É ai que ele me diz mais coisas e é também em silêncio que eu entendo mais coisas. É em silêncio que engulo uma lágrima, enquanto escrevo o diário clinico dele, em que não se registam melhoras.