quarta-feira, janeiro 31, 2007

Friday Night Fever

"- Hoje não dá, amanha também não... E há alguma coisa que eu possa fazer para te conseguir ver na sexta feira á noite?

- Não... Errr, por acaso até há... Podes tentar ter um enfarte de miocárdio, um tromboembolismo pulmonar, uma hemorragia daquelas que te deixa com uma hemoglobina de 5... Olha, porque é que não tens um episódio de asma aguda na sexta? ... Mas faz com que seja uma coisa séria e grave, para teres "direito" a ires para o SO... Se ficares só pelos gabinetes de consulta és capaz de não me encontrar, tá?

- ´Tá. Beijos. "

... Será por causa destas respostas que tenho cada vez menos amigas? ...

terça-feira, janeiro 30, 2007

Cara de Anjo

Agarrou na minha mão e perguntou-me:
"Dra, a minha mãe vai morrer hoje?"
Engoli em seco e respondi que achava (e esperava sinceramente) que não. Que era só uma pneumonia, que a senhora estava a responder relativamente bem ao antibiótico...
Mas pareceu-me que estava toda a gente convencida que sim.
Até a doente, que hoje, quando a acordei para avaliar, olhou para mim e começou a rezar. De olhos muito abertos, a olhar para mim como se tivesse morrido, chegado ao céu e eu fosse um anjo. É certo que eram oito e meia da manhã e a essas horas se calhar até eu pareço um anjo. Mas deve ser só entre as oito e meia e as oito e trinta e um da manhã.
Apesar de andar de branco, faltam-me as asas, a auréola... E cara de anjo. Duvido que hajam anjos com olheiras e uma borbulha no queixo.

quinta-feira, janeiro 25, 2007

Novo ano, novo hospital, nova vida...

A Shara que estava sentada no anfiteatro naquela 2ª feira de "Recepção ao Interno" era exactamente a mesma pequena Shara que, há 18 anos estava sentada na 1ª fila da sala da professora Madalena. Com algumas vantagens: agora já tenho os dois dentes da frente e na foto do cartão do hospital já não precisei de ficar com aquelas golas enormes e bordadas que a minha avó me obrigava a pôr sempre que o fotógrafo tinha a triste ideia de ir tirar fotos á escola.
Não entrei no anfiteatro pela mão da minha mãe e, desta vez, não tinha os cadernos e as canetas devidamente arrumados e com as páginas numeradas, para não as arrancar. Na segunda feira tinha a bata branquissima e o estetoscópio.
A ansiedade, o receio e a alegria, esses, acredito que fossem os mesmos. Agora mais racionalizados, talvez. A ideia da responsabilidade, antes interiorizada e agora já jurada, assusta. Assusta assinar um diário clinico com dúvidas (será que auscultei bem? será que deixei passar alguma coisa?) e por isso vou quatro ou cinco vezes ao quarto de cada doente, para garantir que não me esqueci de nada. Dizem que esse receio é bom, ajuda a não falhar. Os meus doentes devem achar-me uma chata. Quando acham que já se livraram de mim, apareço do nada. Eu prefiro. Para além de as possibilidades de cometer um erro grave serem menores, fazer 500 vezes os corredores da enfermaria também é um método infalivel para não engordar ;)
Uma semana depois sinto que estou no sitio certo, com as pessoas certas. Fiz a escolha certa e talvez este seja o sitio onde posso ir á janela e gritar, como na publicidade,
"Aqui vou ser feliiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiizzzzzzzzzzzzz!"

sexta-feira, janeiro 12, 2007

Coisas da banda

Ouvir um angolano a chamar-me de "moça", um cabo-verdeano de "kretcheu", um brazuca de "gostosa" ou um americano a assobiar e a dizer "hellooooo beauty", eu ainda concebo.
Agora... um chinês a chamar-me de "fofa"???
Só mesmo em Angola...

domingo, janeiro 07, 2007

A maka do marfim

Na banquinha de artesanato do zairense, entre pulseiras de conchas, fios de missangas e máscaras de pau-preto, tinha um montão de peças de marfim.

- Ainda não pararam de matar os elefantes? Já não desistem, né?
- Ahhh, toda horra tão falarr nos elefante. Galinha lhe matam também, ninguém tá falarrr.
- Oh não é a mesma coisa...
- Porrquê então? Só porrque tem bué? Galinha também é bicho, mana. E tão lhe matarrr feio.

Pronto... perdi os argumentos no meio do riso...

De que adiantava mencionar o facto de os elefantes estarem em vias de extinção e, as galinhas (tanto quanto se saiba), não? Que um elefante-femea vive em média 50 anos e uma galinha cerca de 80 semanas? Que uma galinha choca tantos ovos quantos couberem debaixo do seu corpo, que não têm que ser necessariamente seus e que cria todas as crias que nascerem? Que uma "elefanta", em contrapartida, tem um periodo de gestação de 22 meses e normalmente pare uma única cria de 5 em 5 anos?

Para as pessoas que vivem da caça ao elefante,
elefante é mesmo tão bicho quanto galinha.

quinta-feira, janeiro 04, 2007

E deixarem-nos trabalhar, não?

Antes de mais,

BOM ANO PARA TODOS!!!


Pois, voltei. Já sentia falta de refilar contra o pc. É que, pessoalmente, já ninguém atura os meus refilanços. Já tinha saudades de passar nos blogs de alguns amigos e viver o dia a dia deles.

O pai Natal, esse palhaço, errou (novamente!) a minha morada.

Quem nos deu a nós, médicos internos, uma bela prenda, foi o Sr. Secretário Geral e o Ministro da Saúde. Queridissimos como são, ofereceram-nos um mês inteirinho de desemprego. Uns amores. É por isso que admiro politicos, não fazem nada de jeito e safam-se sempre.

O que eles dizem que aconteceu aconteceu foi que um erro informático fez com que as listas de colocação nos hospitais fossem anuladas por duas vezes e finalmente, todo o concurso fosse suspenso.

Muito bom.

O que se diz é que afinal tem tudo a ver com o fecho de contas do Ministério da Saúde e a "coincidência" de não nos pagarem salários até resolver o erro informático até dá um certo jeito. Mas isto são só más linguas, claro. Nem o nosso querido ministro da saúde nos faria uma coisa destas... Logo o nosso ministro, para quem tudo isto é um "fenómeno natural"...

Assim, em vez de começarmos a dia 2 deste mês, devido a um fenómeno natural, começaremos no dia ... 29?... hmmm ... não sabemos bem e o melhor é esperar para ver, porque torna-se dificil acreditar naquilo que a Secretaria Geral e o Ministério da Saude dizem (ou despacham!)...

Incompetência, salários e datas à parte, realmente grave é o facto de estarem 833 médicos que têm vontade de trabalhar, no desemprego, já que não nos foi atribuido um local de trabalho. 833 médicos esses que ajudam a assegurar o funcionamento dos serviços em que se inserem. E isto tudo ocorre num país que se queixa diariamente de falta de médicos, das listas de espera para tudo o que diga respeito a saúde, da sobrelotação e tempos de espera nas urgências hospitalares...

Já nem tento entender.


P.S.: Já agora se andarem tristonhos e se se quiserem rir podem acompanhar esta palhaçada naturalmente fenomenal em www.dmrs.min-saude.pt, em www.medicointerno.com ou num jornal perto de vocês.