terça-feira, abril 25, 2006

A "minha" Matilde já mama...

A "minha" Matilde nasceu antes do tempo, com 29 semanas (quando o ideal seria ficar in utero ate ás 36). Esteve ventilada durante n dias, teve anemia e por isso foi transfundida aos 29 dias de vida e volta e meia esquecia-se de respirar. O cérebro dela é, ainda, muito imaturo, não se consegue lembrar de tudo...

Só a conheci há duas semanas mas foi amor á primeira vista. Observei-a durante estas duas semanas, sempre com o cuidado de não a "mexer muito" apesar de me apetecer agarrar nela e embalá-la todos os dias... Todos os dias era a mesma rotina: auscultar, palpar a barriguita e depois, como pretexto para avaliar se a Matilde estava pálidazinha, hidratada e etc, conversava um bocadinho com ela. Era tipo "Aiiii a "minha" Matilde tão linda... e tem um gorro tão giro... vá, toca a comer... e não se respira porquê dona Matilde? Temos de respirar e comer pra ir para casa..."
O resultado foi que ao fim de uma semana ela já esboçava um sorriso quando ouvia a minha voz. Ok, se calhar eram só cólicas mas eu prefiro acreditar que era um sorriso :)
Todos os santos dias lá ia eu confirmar se ela ainda fazia dessaturações de oxigénio (que acontecem quando ela se mexe ou fica cansada e o aporte de oxigénio aos tecidos baixa) e se já mamava sozinha pelo biberon ou se ainda precisava do tubinho que levava a comida directamente ao estômago. Ultimamente ela tomava um bocadinho pelo biberon, cada vez mais, mas nunca conseguia completar tudo então tinha sempre de ser entubada.
Ontem quando cheguei fiz a mesma coisa mas tive pela primeira vez a alegria de ver que a "minha" Matilde já mama... Como é obvio não pude perder o momento da mamada e quando entro no quartinho lá estava ela, com uma gaze esterilizada a fazer de babete, a beber um biberon inteiro... 50 ml de leite!!! Ainda mantém alguma descoordenação a mamar, adormece a meio, baba-se... mas já não precisa de tubinho... E até já nem baixa tanto os "níveis" de oxigénio... É uma lutadora, a "minha" Matilde.
Hoje a Matilde tem 47 dias de vida e se tivesse na barriga da mãe faria hoje 36 semanas de gestação. Ou seja, só se nascesse hoje é que seria considerada um bebé de termo. A Matilde teve de aprender por ela própria a fazer aquilo que os outros bebés já "nascem ensinados" a fazer. Coisas tão simples como respirar e comer são, para estes bebés, autênticas cruzadas.
Por isso hoje esqueço todos os lideres politicos, as celebridades, as top models e as actrizes que aparecem na tv... Hoje a minha heroína é a Matilde.

quinta-feira, abril 20, 2006

Só a mim...

Há coisas que só me acontecem a mim...
Hospital São Fransisco Xavier, quase 9 da manhã, bata e esteoscópio, os elevadores apinhados com os meus tutores, o chefe de serviço, os meus colegas, doentes... Enfim, apinhados. Toda a gente com pressa (sim, porque aqueles elevadores páram em todas as capelinhas e demoram eternidades até chegarem ao "destino")... Assim que chega ao piso 2 a porta abre-se e eu saio... Ou pelo menos tento. Até reparar que o meu salto ficou preso no desnivel da porta do elevador... Vai de puxar a perna, puxar e nada... Faço aquele meu sorriso tipo "não se passa nada, é normal" enquanto penso "aiiiii isto só me acontece a mim"... Quando achei que a situção já não podia piorar, o elevador começa a apitar por estar aberto há tempo de mais.
"Piiiiiiii pi pi piiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii".
Pronto, morri de vergonha... Porque nisto eu continuava a puxar a perna e... nada. Até que decidi, heroicamente, descalçar o sapato. Descalcei o sapato, abaixei-me e puxei-o com toda a minha força até o desprender do desnível. Quase cai para trás com o impacto mas finalmente tirei a arma do sitio do crime. O "apito" calou-se e as portas do elevador fecharam-se mas ainda tive tempo de ver toda a gente a rir e ouvir : "Deixe lá, acontece".
Sim. Claro que acontece. Mas só a mim...
Pior do que esta só aquela vez que desmaiei, cai no chão mas continuei a mastigar pastilha...
Ou ontem quando tava no jacuzzi do ginásio e começou o fogo de artificio da inauguração do Casino de Lisboa e eu sai a correr com medo que tivesse rebentado algum paiol ou que a "UNITA" tivesse deitado abaixo mais um poste... quando me apercebi da minha atitude já tava fora do jacuzzi, de havaianas calçadas e toalha enrolada pronta para me enfiar no primeiro bunker que encontrasse.
E este tipo de coisas acontecem. Mas também só a mim.
Ok... É oficial... Eu não sou uma pessoa normal :)

segunda-feira, abril 17, 2006

Incorrecto

Não é que não tenhas avisado que ias embora.
Incorrecto foi não avisares que, mesmo indo embora, ias ficar comigo.
Nem sequer foi incorrecto acontecer. Não foi falta de aviso. Foi falta de crença. Falta de juizo. E agora... falta de ti.

quinta-feira, abril 13, 2006

Kirikikis


Nas duas ultimas semanas não postei... Tenho estado rodeada de recém-nascidos. É tudo o que eu sempre quis na vida. A minha mãe diz que desde que me conhece como gente que eu respondia á pergunta "que é que queres ser quando fores grande" com uma resposta do tipo "médica que tira os bebés da barriga". Acho que o que eu queria dizer é que queria estar com eles nos primeiros momentos de vida. Não sei se é a isso que se chama vocação mas sinto que não deve existir outra coisa no mundo da medicina para a qual eu tenha tanto jeito. Sair de um dia de trabalho com as mãos a cheirar a creme de bebé é uma sensação que não tem explicação. Cuidar deles, examiná-los, pegar neles... Tentar fazer com que parem de chorar (porque coisinhas tao pequeninas não merecem chorar)... Tirar-lhes a fralda e ser regada com xixi, limpar dez cocós por dia... Lidar com a ansiedade das mães e acompanhar os primeiros dias destes kirikikis piquininos... Ver como eles reagem ao mundo, á luz, ao frio, ao toque, a nós... Sentir como se acalmam quando os apertamos juntinho ao peito...
Não sei se algum dia serei pediatra neonatalogista mas cada dia que passo sentada em frente ao Harrison's a preparar o exame de entrada na especialidade é feito com esse objectivo. O pouco tempo que dedico á familia, aos amigos, ás relações, á vida real... Cada vez que abdico de cinemas, das discotecas e do que for preciso é com o objectivo de perseguir esse sonho.
Não sei se algum dia vou conseguir mas se conseguir acho que a foto que tenho pendurada em frente á minha secretária é a grande responsável.