quarta-feira, junho 13, 2007

Ser interna é...

Um ano de médica e cinco meses de trabalho depois, conclui que ser médica interna do ano comum num hospital central é:

1. Andar com uma dor nas costas que simplesmente não pássa porque nunca se consegue ter tempo suficiente para descontrair os músculos das goteiras vertebrais, os dorsais, os lombares e todos os outros que só se percebe que se tem mesmo quando doem (ter uma cama partida também não ajuda muito...)
2. Pedir vinhetas emprestadas
3. Acabar todas as frases com "sim, senhor" ou "sim senhora" e sentir-me um soldado... daqueles rasinhos
4. Sentir que a vida se parece cada vez menos com o Dr. House e cada vez mais mais com o Scrubs
5. Ouvir (até quando?) "a menina parece-se mesmo com a minha neta, não tem nada cara de médica"
6. Ter setecentos livros no bolso
7. Ter, para além dos setecentos livros, uma agendinha para apontar os bancos extra
8. Andar o mês todo á espera de dia 23 para ver se não se esqueceram de contabilizar os tais bancos extra
9. Perceber, dia 23, que se "esqueceram" mesmo
10. Passar tanto tempo no hospital que quase se sente saudades de casa
11. Chegar a casa, não ter ninguém á espera, ter o frigorifico vazio e a cama ainda desfeita... e querer voltar para o hospital
12. Dormir em cima do plano duro das reanimaçãoes (e é duro mesmo!), encostada a uma coluna de som de discoteca ou dormitar na mesa do jantar romântico
13. Cair na gandaia com as enfermeiras
14. Comer pudim feito pelas auxiliares ás 2 da manhã
15. Perder 20 minutos da hora de descanso a correr nos corredores do hospital cheia de medo ás 5 da manhã para chegar ao quartinho e perceber que está ocupado por alguém que ronca como se o mundo fosse acabar
16. Receber um presentinho e um beijinho de um doente
17. Plantar uma orquídea num vasinho para alegrar a sala dos médicos
18. Ter pena de obrigar a coitada da orquídea a ficar na dita sala
19. Ser sempre a última a escolher as férias
20. Ser sempre o número mecanográfico mais recente
21. Não ter tempo para postar nem para navegar nos blogs dos amigos, mas entrar na net só mesmo para "cuscá-los" de vez em quando

Ser interna é assim, andar anestesiada e feliz.

2 comentários:

TZO disse...

Como eu te compreendo, mas para mim, ser advogado estagiário é:

1.É trabalhar dez vezes mais do que os colegas mais velhos para lhes entregar um peça processual, para que nos digam: “está muito boa, mas vou alterar porque o meu estilo é diferente”, para ainda por cima, depois de corrigidas, constatarmos que trocaram apenas algumas palavras por outra com o mesmo sentido(!?);
2. É fazer buscas de jurisprudência impossíveis e quando encontramos alguma luz ao fundo do túnel dizem-nos outros factos que alteram tudo;

3. É ir dias inteiros para os tribunais consultar processos com vinte volumes, e depois fazer m relatório do mesmo porque temos os colegas à perna;

4. É sentir que se percebe de tudo o que se fala e acontece à nossa volta, e ao mesmo tempo não se perceber nada;

5. É fazer erros de palmatória por mera distracção ou não automatização das tarefas que nos são incumbidas;

6. É ter pouco tempo para aqueles de quem mais gostamos;

7. É ter pouco tempo para descansar;

Enfim podia continuar...

É difícil começar uma profissão...

Beijinhos e coragem

FPerneta disse...

Lol.... Muito boa discrição da vida de um IAC (e para quem nao esteja a perceber, não, não é um bicharoco qq dos Andes). Lembra-me um mail que por certo já recebeste: Akele de que seremos conhecidos pelos amigos dos nossos pais "como akele que estuda (ou estudou) medicina", akeles para os quais HTA,DPOC,EPO,querem de facto dizer algo, aqueles que fazem directas e nao pq foram para as discos, akeles em que 80% delas se não vao casar e 80% deles casam-se com enfermeiras, lol....

Esqueceste-te igualmente de referir o singelo facto de 2 em 2 meses, chegarmos a serviços, com toda a gente a olhar feita parva para nós e peruntar "quem és" ou pura e simplesmente nao te ligar, ter a distinta sensação em certos serviços que se nao aparecesses, nao farias falta, até q uma dia de manha, tudo te cai em cima, como se fosses Jesus Cristo a teres q solucionar todos os males e a ter de saber de todos os doentes, ser numa 1ª fase conhecido por "o interno" para depois passar a ser conhecido, por Pimenta, Pereira, Beringela, qdo te chamas Sousa, ou outra coisa qq antes acertem no teu nome (e qdo o fazem, já tas a ir para outro serviço), chegar as urgencias apos a tua pausa de almoço em que te esforçaste por deixar a alta e receita toda direitnha para alguns colegas + velhos possam despachar os doentes que tu viste, para dps reparar qdo voltas que ainda ninguem o fez e o coitado do homem está ali à 1 hora sem necessidade, com uma cara que te fulmina....E mil e uma outras coisas que tornam o nosso quotidiano delirante...e bom!! ;-)

Cumprimentos de um colega de batalha do CHF,

FP