Primeiro voto
Hoje vou votar. Pela primeira vez. Nunca votei. Nem para legislativas nem para presidenciais. Nem sequer para a lista X ou J da associação de estudantes. Considero a politica uma palhaçada e nunca me dei ao trabalho de tentar entendê-la. Só votei algumas vezes em mim quando se queria escolher o delegado de turma ou a miúda mais gira da sala, mas votos em mim mesma não contam...
Hoje vou votar. Porque está em jogo o futuro das mulheres e crianças deste pedacinho de terra em que vivo. E seria injusto andar em lutas herculeas para mudar o mundo e não varrer primeiro o meu quintal.
Depois de muito ponderar, tirei a minha conclusão. Não foi uma decisão fácil. Não sou só a Shara humanista que considera injusto uma pessoa ter capacidade de decidir sobre o direito á vida de outra. Sou também a Shara mulher, que acha ridiculo prender-se uma mulher que fez um aborto, que sabe que as mulheres pobres fazem abortos cá e são penalizadas e as ricas fazem-nos fora e passam impunes ao mesmo crime. E o mau não é as pessoas com capacidade económica sairem impunes, é as que não a têm, serem criminalizadas. A Shara tendencialmente femininista que considera ainda mais ridiculo só se criminalizar e humilhar a mulher, como se fossemos todas leveduras e os nossos filhos fossem produto de geração espontânea. A Shara médica, que já se cruzou com casos dramáticos de abandono e maus tratos a recém nascidos e a crianças não desejadas mas que também já viu algumas dessas crianças indesejadas (muito poucas) serem entregues a familias que as querem muito, que já viu morrer mulheres depois de abortos mal feitos, mas que também já viu mulheres a utilizarem o aborto como método anticoncepcional. Sou a Shara que sempre sonhou ser pediatra, cujo sonho sempre foi contribuir para a saúde das crianças, não para a sua morte.
Foi uma decisão dificil mas acho que alguma coisa tem de mudar, por isso hoje vou votar.
2 comentários:
Como eu te entendo Sharita.
Neste assunto, como pessoas "informadas" que somos, pelo menos no domínio do que é saúde, e igualmente naquilo que é a parte mais social, que envolve uma decisão destas, torna-se bem mais complicado tomar uma decisão dicotómica de um simples Sim ou Não.
Na curta vida médica (e incluo os anos do curso), vimo-nos por algumas vezes confrontados com mulheres que abertamente tomariam a decisão de abortar, não porque que quisessem, mas porque as condições envolventes assim o determinavam. E outras que pela maior das infelicidades, não conseguindo ter um filho por si, dariam tudo para amar um outro que não sendo fruto seu, o tomariam para si como seu, como parte física e espiritual.
E nem é preciso entrar em discussões filosóficas, sociais, económicas, ou de outra ordem, mas só deixar correr os sentimentos comuns a todos nós, e no fundo compreender os porquês de uma mulher em desespero querer abortar, porque, com muita desgosto pelo colectivo que representamos, admito que nós enquanto sociedade falhamos em todo o momento que não criamos condições para qualquer mulher ter, amar e acarinhar, esse pedaço de si.
Beijinhos Sharita
...e que o arranque desta nova fase tenha sido com o pé direito!
Quase não te vejo mas leio-te e fico feliz quando o faço. Por isso, e porque há tanto tempo não trocamos um beijinho sorridente, deixo-te um beijinho aqui, um beijinho de felicidade por teres ido votar e um beijinho de "concordância", porque percebo e subscrevo as tuas palavras. Em altura de tantas mudanças, esta será para melhor, com certeza..
mais um beijinho
Ana Miguel
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