sexta-feira, março 30, 2007

Não quero...

Se eu disser que não quero envelhecer... é pecado?
Não quero... Não quero dizer coisas sem nexo e ninguem achar graça a isso, não quero não saber onde estou e mesmo que alguém me explique, eu não entender... Não quero ser intoxicada de benzodiazepinas e neurolépticos só para ficar mais calma e não incomodar aqueles que acham que não envelhecem. Não quero ter rugas e pele flácida. E escaras. Não quero que me toquem com luvas. Não quero não me lembrar dos que amo e dos que me amam. Não quero que esses, quando eu for velha, me abandonem e se esqueçam. Não quero que passem por mim e me encontrem com vários acessos venosos periféricos, algaliada, com uma sonda nasogástrica e ventilada...
Se envelhecer é isso, então não quero envelhecer.

segunda-feira, março 26, 2007

Lucidez

Na maca do corredor, durante o exame neurológico ao senhor do AVC ...
- Como é que se chama?
- Manuel.
- Então e que dia é hoje?
- 22 de Agosto!
(Antes fosse, antes fosse... 22 de Agosto do ano passado...)
- E quantos anos tem?
- 2!
- Não, senhor Manuel, tem 70 anos... mas não faz mal.
Já numa tentativa final de tentar perceber se o senhor estaria orientado no espaço, pergunto-lhe se sabe onde estamos e quem eu sou.
- Estamos em ValVerde (seja lá onde isso for)... E você... Você é uma mulher espantosa!

Orientado o senhor podia até nem estar, mas lúcido e com bom gosto.... isso estava de certeza!

sexta-feira, março 16, 2007

Cheiro a verão

Não sei se é do cheiro a verão ou das minhas jeans novas... Só sei que os homens estão cada vez piores. E quem tem razão é a Bad. Onde é que estes gajos andam a aprender as abordagens que fazem ás miudas??? I mean...
Toda a gente sabe que por esta altura sobe exponencialmente a quantidade de "tschhhhh", "ehhhhh", "pffffffffff", "brmmmmmm", "booooeeeeing" que se ouve por aí ... é normal, já quase aceitamos isso com naturalidade.
Mas há cada um... Será que ser giro e ter um descapotável invalida logo a necessidade de ter também algumas técnicas de abordagem razoáveis?
Perguntar onde é o Marquês de Pombal resulta sempre... Toda a gente sabe onde é por isso sente-se obrigada a explicar. Essa foi de mestre, reconheço. Perguntar o meu nome já não foi muito a propósito. Até porque por esta altura já estava meia Lisboa a buzinar atrás dele e eu já não conseguia entender quase nada. E perguntar se eu quero boleia até podia ser simpático... se eu não estivesse há 5 minutos a tentar por moedas num parquimetro, enquanto ele não se calava! Se eu quisesse ir a mais algum lado, porque é que teria estacionado o carro e estaria a por moedas no parquimetro??
Se calhar é do sol, queima-lhes os neurónios.

terça-feira, março 13, 2007

Sala de tratamentos

A mãe estava doente. A bebé não. Por isso não podia ficar na pediatria. A mãe, com uma enorme dificuldade respiratória e a sua hemoglobina de 5.9 não podia deixar de ser atendida e não, não tinha ninguém com quem deixar a menina. Foi assim que acabámos com uma bebé de ano e meio dentro da sala de tratamentos de adultos. Foi assim que a sala de tratamentos de adultos cansados e doentes se transformou num enorme playground. A velhinha da maca, com máscara de oxigénio na cara, oximetro no indicador esquerdo e braçadeira para medir a pressão no braço direito que ao chegar não nos respondia arranjou maneira de brincar ao “cu-cuuuuuuuuuuuuu” com a pequenina que se ria ás gargalhadas cada vez que o asmático provocava ainda mais pieira do que aquela que já tinha.
Ao contrário das doze horas non-stop de barulho e agitação, nesta sala do serviço de urgência descansou tudo, quando a menina adormeceu ao colo da mãe com uma ampolinha de soro na mão embalada pela música do Noddy cantada pela auxiliar da sala de Raio X e o ti-ti-ti do monitor cardíaco da doente taquicárdica como som de fundo.

É nestas alturas que percebo que apesar do cansaço, da falta de sono e da enorme responsabilidade que me sufoca a cada minuto, faço a única coisa que me poderia fazer feliz…

sexta-feira, março 09, 2007

(Des)Limita-me

No meio dos medos, porque também os temos, encontramo-nos assim, nús e rendidos. Rendidos ao medo de errar, de novamente não ser capaz, ao medo de fugir, ao medo de ficar, ao medo de não conseguir sempre, mesmo que investindo e querendo. Da frustração de assumir limitações que só agora reconhecemos. Que somos limitados, sim. E no meio da insegurança e da dor que causa assumir as minhas próprias fraquezas discutimos em algum café as dores que, nas batas e carapaças que vestimos diariamente, nos assombram. Eis que tu me entendes e eu te entendo e nos entendemos, ainda que tão diferentes e os dois tão limitados. Protegidos do sol frio. Que ainda é sol embora seja frio e não o vejamos, que é sol porque o sentimos. Tal como a esperança, a força, a humildade e a fé. E se te digo que fatal é o meu segundo nome, reforço que instinto é o primeiro, porque no meio do fatalismo que é assumir que não sou melhor que isto, o instinto diz-me que não é mau de todo ser assim. E, sob o olhar atento da Maria e das suas mil perguntas, entendo que é o amor (nos seus vários rostos) que tantas pessoas têm por mim (que me sei limitada) que me mostra que a vida nunca será a aridez de "quero, e se não tenho, frustro", própria de quem é vazio e oco para estar tão cheio de si próprio que não se dispõe a assumir-se, humildecer-se e deslimitar-se.